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De Conceição à UNIFESP: a trajetória do sertanejo Francisco Anderson, o “Chiquinho”, novo doutor em Computação

De Conceição à UNIFESP: a trajetória do sertanejo Francisco Anderson, o “Chiquinho”, novo doutor em Computação

Francisco Anderson Mariano da Silva, conhecido carinhosamente como Chiquinho, acaba de realizar um dos maiores sonhos de sua vida: defender sua tese de doutorado em Ciência da Computação na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), no dia 12 de novembro de 2025. A conquista, porém, vai muito além do título acadêmico. É o ponto alto de uma história de fé, coragem e persistência, que começa em Conceição (PB) e atravessa anos de luta e superação.

“Hoje realizei um dos maiores sonhos da minha vida: defendi minha tese de doutorado. Não sei nem por onde começar, mas como sempre digo: tudo tem seu tempo no propósito de Deus”, resumiu Chiquinho, emocionado, após a defesa.

Infância difícil, coração gigante

A vida de Francisco Anderson nunca foi simples. Filho de pais que não puderam criá-lo, ele cresceu enfrentando a ausência familiar desde cedo. Foi acolhido pela avó, uma mulher de origem humilde, que chegou a pedir esmola para garantir o básico em casa. Em meio à vulnerabilidade, nasceu um traço que o acompanha até hoje: a vontade inabalável de estudar.

Ainda criança, em Conceição (PB), ele já carregava o desejo de mudar de vida por meio da educação. Mais tarde, essa caminhada o levaria a deixar sua cidade natal e, em 2007, mudar-se para Patos, com um objetivo muito claro: estudar e construir uma trajetória acadêmica e profissional sólida.

Deficiência visual e determinação: “nada foi fácil, mas tudo foi possível”

Francisco é pessoa com deficiência visual (PCD), com cerca de 35% da visão, enxergando apenas por um dos olhos. Em vez de enxergar nisso um limite, ele transformou a condição em mais uma motivação.

“Sou um jovem com apenas 35% da visão, que foi abandonado pelo pai e pela mãe, mas que recebeu, ao longo da vida, o amparo de pessoas incríveis”, conta.

Entre 11 e 12 anos, começou a frequentar a casa do vereador Luís Paulino, em Patos, figura fundamental em sua formação. Ali, além de apoio material, recebeu orientação, incentivo e exemplo. Depois da morte de sua avó, em 2002, Chiquinho seguiu amparado por amigos, pela casa de Luís e pela família de Raubergue, que se tornaram parte essencial da sua rede de apoio, garantindo que ele não parasse de estudar.

Nem todos, porém, acreditaram em seu potencial. Em determinado momento da trajetória, ele ouviu de uma diretora que “dificilmente terminaria sua Licenciatura em Computação”. Anos depois, sentado diante de uma banca de doutorado em uma das maiores instituições do país, a resposta não veio em forma de ressentimento, mas de afirmação:

“Ontem, defendendo meu doutorado em Ciência da Computação na UNIFESP, tive a certeza de que não se trata de vaidade, mas de prova de que tudo é possível quando há força de vontade, humildade e coragem de pedir ajuda.”

Fé que sustenta, propósito que conduz

Ao longo de toda a caminhada, Francisco Anderson se apoiou na fé como força motriz. Uma das frases que carrega consigo vem de Eclesiastes 3:1:

“Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.”

Sua história traduz exatamente esse versículo. Nada veio de forma fácil ou rápida, mas cada etapa foi sendo construída com perseverança, estudo, trabalho e confiança em Deus.

“Primeiro, agradeço a Deus — porque sem Ele eu não estaria aqui para contar essa história”, reforça. “Sei que ainda há muitos apontamentos a serem corrigidos, mas meu coração é de pura gratidão.”

Um doutorado em plena pandemia: a oportunidade que virou milagre

Chiquinho ingressou no doutorado em Ciência da Computação da UNIFESP em junho de 2020, auge da pandemia de Covid-19. O curso era presencial, mas, excepcionalmente, passou a acontecer de forma remota.

Para muitos, foi um grande desafio. Para ele, foi também uma oportunidade única:

“Acredito que foi Deus, como sempre, me concedendo uma oportunidade única de realizar um doutorado ‘à distância’, algo que dificilmente seria possível em outra circunstância.”

Com as aulas online, as barreiras de deslocamento e acessibilidade foram, em parte, atenuadas, permitindo que ele se dedicasse intensamente às disciplinas e à pesquisa, mesmo com as limitações da visão reduzida.

Amor, família e gratidão: os pilares da caminhada

Se a fé foi o alicerce, a família foi o pilar. Francisco destaca com emoção o papel da esposa e do filho, que estiveram ao seu lado em todos os períodos de cansaço, dúvida e renúncia.

“Minha esposa e meu filho foram fundamentais. Sou grato por cada gesto de compreensão, por cada renúncia que fizemos juntos, por cada noite mal dormida que se transformou em força para continuar”, relata.

Ele também faz questão de agradecer aos amigos que acreditaram — e aos que duvidaram:

“Aos amigos que sempre acreditaram em mim — e também àqueles que não acreditaram, pois vocês foram combustível para que eu seguisse firme.”

De Conceição para o mundo: uma mensagem para quem pensa em desistir

A história de Francisco não é contada para alimentar vaidade, mas para inspirar. Nascido em Conceição (PB), criado em condições adversas, com deficiência visual, criado pela avó que pediu esmola, vendo portas se abrirem graças ao apoio de pessoas de bom coração, ele chegou onde muitos diziam que não chegaria: ao doutorado em uma universidade federal de referência.

Sua mensagem é direta para quem está no início da caminhada — ou pensando em desistir:

“Não se deixe levar pelo primeiro obstáculo. Nada é fácil nesta vida, mas é possível. Há pessoas que vão te apoiar e outras que não vão querer ver você crescer. Mesmo assim, quando você acredita em Deus, se esforça, corre atrás e não se deixa parar pelo primeiro obstáculo, o caminho se abre.”

No dia 12 de novembro, quando defendeu sua tese, não foi apenas um aluno concluindo um curso. Foi um menino de Conceição, criado pela avó, com 35% de visão, atravessando a sala como doutor.

E sua trajetória, marcada por fé, perseverança e gratidão, fica como prova viva de que, debaixo do céu, há tempo e propósito para todos os sonhos que são regados com coragem, estudo e esperança.

 

Vale do Piancó Notícias


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Joaquim Franklin

Formado em jornalismo pelas Faculdades Integradas de Patos-PB (FIP) e radialista na Escola Técnica de Sousa-PB pelo Sindicato dos Radialistas da Paraíba.

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