Russos avançam aos poucos sobre cidade tida como ‘fortaleza’ ucraniana

Russos avançam aos poucos sobre cidade tida como ‘fortaleza’ ucraniana

Mundo
Joaquim
13 de fevereiro de 2023
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“Fique perto da parede. Mova-se rápido. Fila única. Apenas alguns de cada vez.”

As curtas instruções vêm da escolta do exército ucraniano, que está nos levando a uma base militar em Bakhmut, uma cidade que já foi famosa por vinhos espumantes e hoje é marcada pela batalha.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, chamou a cidade no leste do país de “nossa fortaleza”. As forças russas passaram os últimos seis meses tentando capturar Bakhmut. Agora, eles intensificaram o ataque — acredita a Ucrânia — para derrubá-la antes do aniversário de um ano da invasão.

Seguimos as ordens, disparando por uma rua coberta de gelo e entulho, com um céu azul claro acima — um cenário ideal para drones russos.

Logo depois de atravessarmos a rua, dois projéteis russos caem atrás de nós. Nos viramos para ver fumaça preta subindo e continuamos a correr.

O bombardeio foi aleatório ou direcionado a nós? Não podemos ter certeza, mas tudo que se move em Bakhmut é um alvo, seja soldado ou civil.

Durante horas, não há trégua no bombardeio. Um caça ruge acima de nossas cabeças. As tropas russas mais próximas estão a apenas dois quilômetros de distância.

Há combates de rua em algumas áreas, mas as forças ucranianas ainda controlam a cidade — apesar das temperaturas abaixo de zero e da diminuição dos estoques de munição.

“Temos escassez de munição de todos os tipos, especialmente de artilharia”, diz o capitão Mykhailo, da 93ª Brigada Mecanizada, cujo codinome é ‘poliglota’.

“Também precisamos de dispositivos de comunicação criptografados de nossos aliados ocidentais e alguns veículos blindados para mover as tropas. Mas ainda assim conseguimos nos manter. Uma das principais lições desta guerra é como lutar com recursos limitados.”

Dá para ter uma ideia dos problemas de munição quando as tropas ucranianas atacam uma posição russa com morteiros de 60 mm. A primeira rodada de bombas voa do tubo com um estrondo. A segunda rodada não ejeta.

Há um silvo de fumaça e um grito de “falha de tiro”, fazendo com que a unidade de morteiros procure cobertura. Os soldados nos dizem que a munição vem de um estoque antigo, enviada do exterior.

A batalha por Bakhmut é uma guerra dentro da guerra. Algumas das lutas mais ferozes da invasão ocorreramaqui. E agora as forças russas estão ganhando terreno, metro a metro, corpo a corpo. Várias ondas de mercenários do notório grupo Wagner foram enviados para a batalha neste lugar. Há relatos de campos cheios de cadáveres russos.

Moscou agora tem controle efetivo das duas estradas principais que levam à cidade, e deixam livre apenas uma rota secundária — uma estreita linha de abastecimento.

“Eles tentam tomar a cidade desde julho”, diz Iryna, assessora de imprensa da 93ª Brigada. “Pouco a pouco, os russos estão ganhando. Eles têm mais recursos, portanto, se jogarem o jogo longo, vão ganhar. Mas não posso dizer quanto tempo vai demorar.”

“Talvez eles fiquem sem recursos. Eu realmente espero que sim”, completa Iryna.

Passamos de posições de tiro cuidadosamente escondidas para bunkers cheios de geradores e aquecidos por fogões. As tropas tomam cuidado para esconder qualquer fumaça que possa revelar a localização da base — isso faz parte da administração da guerra. Entre aqueles que encontramos, há uma determinação calma por lutar.

“Eles estão tentando nos cercar para que deixemos a cidade, mas isso não está funcionando”, diz Ihor, um dos comandantes.

“A cidade está sob controle. O transporte se move, apesar dos constantes ataques de artilharia. Temos, claro, perdas do nosso lado, mas estamos aguentando. Nós só temos uma opção: continuar rumo à vitória.”

Existe outra alternativa: retirar-se de Bakhmut antes que seja tarde demais. Mas entre os defensores do terreno parece haver pouca vontade de fazer isso. “Se tivermos tal ordem de nosso quartel general, tudo bem. Ordem é ordem”, diz o capitão Myhailo.

“Mas qual o sentido de segurar todos esses meses se você precisa se retirar desta cidade? Não, nós não queremos fazer isso.”

Ele lembra aqueles que deram suas vidas por Bakhmut, os quais classifica como “homens bons e corajosos que simplesmente amam este país”.

E se os defensores de Bakhmut se retirassem, isso abriria um caminho para a Rússia avançar para cidades maiores no leste da Ucrânia, como Kramatorsk e Slovyansk.

Moscou intensificou os ataques em outras áreas da linha de frente na região de Donbass, pelo leste e pelo sul. Autoridades ucranianas dizem que uma nova ofensiva russa já está em andamento.

O governo russo corre contra o relógio, pois faz a contagem regressiva para o aniversário de um ano da invasão, em 24 de fevereiro. “Eles são loucos por datas e os chamados ‘dias da vitória'”, diz Mykhailo.

Mas a batalha por Bakhmut pode desgastar os russos, de acordo com Viktor, um comandante ucraniano alto e magro que coletou e mantém revistas russas em uma prateleira de seu bunker.

“Eles não defendem, apenas atacam. E até tomam alguns metros, mas estamos tentando garantir que avancem o mínimo possível sobre nossas terras. Estamos segurando o inimigo aqui e desgastando-o .”

Ainda há alguma vida em Bakhmut, se você souber onde encontrá-la.

Uma explosão de calor e luz surge quando você passa pela porta do “centro de invencibilidade”, ao passar por caixas de alimentos doados. Trata-se de um clube de boxe que virou um complexo de suporte à vida, onde a população local pode recarregar a energia dos celulares e de si mesma, com comida quente e companheirismo.

Quando visitamos o local, ele estava lotado, com mulheres idosas agrupadas em torno de um fogão e dois meninos sentados no ringue de boxe, grudados na tela da TV enquanto brincavam com um jogo de guerra.

Cerca de 5 mil civis permanecem em Bakhmut sem água encanada ou energia — muitos são idosos e pobres.

“Alguns são pró-Moscou. Eles estão esperando pelos russos”, murmura um ucraniano de forma sombria.

Todos aqui travam suas próprias batalhas, diz Tetiana, uma psicóloga de 23 anos que está no centro comunitário para cuidar de seus irmãos mais novos. Ela ainda está em Bakhmut porque a avó de 86 anos não consegue se mover e depende dela.

“A maioria das pessoas lida com isso orando a Deus”, diz Tetiana.

“A fé ajuda. Alguns esquecem que são pessoas, enquanto outros outros mostram agressividade e começam a se comportar pior do que animais.”

De volta para fora, a batalha por Bakhmut continua, com mais um bombardeio enquanto partimos.

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Correio Braziliense

Joaquim Franklin

Joaquim Franklin

Formado em jornalismo pelas Faculdades Integradas de Patos-PB (FIP) e radialista na Escola Técnica de Sousa-PB pelo Sindicato dos Radialistas da Paraíba.

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